Usucapião judicial: como fazer, passo a passo (guia completo, prático e simples)

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A usucapião judicial é o último recurso da regularização fundiária, usado quando nada mais deu certo. Entenda neste artigo como ela funciona!

No Brasil, segundo reportagem da Folha de S. Paulo de 13 de julho de 2023 , existem mais de 40 milhões de domicílios urbanos sem escritura, e 60% dos imóveis brasileiros apresentam algum tipo de irregularidade documental.

A falta de documentação adequada gera riscos que vão desde a necessidade de investir na regularização da documentação do imóvel depois da compra , que pode não ter sido prevista no momento da compra, até a perda do imóvel, por causa de processos contra a pessoa cujo nome está na matrícula do imóvel como proprietário (o chamado proprietário tabular).

Um dos primeiros pensamentos a passar pela mente de quem percebe os problemas da falta de regularização do próprio imóvel é: usucapião.

Usucapião é uma forma de conseguir a propriedade de um bem (imóvel ou móvel, tanto faz) por ter exercido posse sobre ele durante um período previsto em lei.

(Móvel? Sim, existe usucapião de coisas móveis, como carros, roupas, jóias, livros, etc. Como escrevemos um artigo bem completo sobre o assunto , recomendamos a leitura para quem se interessou, e vamos seguir tratando só de imóveis.)

Entretanto, não são poucas as dúvidas quanto ao assunto. Temos um guia com 10 conceitos-chave para entender a usucapião , cuja leitura recomendamos antes de prosseguir.

Desta vez, vamos apresentar de forma completa, prática e simples o caminho daquele que consideramos como o “último recurso” de quem quer regularizar a documentação de um imóvel: a usucapião judicial.

O que é a usucapião judicial?

A usucapião judicial é um processo pelo qual um juiz avalia as provas apresentadas por pessoas interessadas e declara, numa sentença, se conseguiram ou não adqurir a propriedade de um imóvel por usucapião.

Como em qualquer processo, a atuação de advogado na usucapião judicial é obrigatória.

Comparação entre usucapião judicial e usucapião extrajudicial

Antes de detalhar o passo a passo da usucapião judicial, é importante entender por que esse método deve ser utilizado apenas quando a via extrajudicial não for possível.

A usucapião extrajudicial, realizada em cartório, tem um tempo médio de conclusão de aproximadamente 120 dias, enquanto a usucapião judicial pode levar em média 5 anos, podendo ultrapassar 15 anos em casos mais complexos.

Vantagens da usucapião extrajudicial

A usucapião extrajudicial tem enormes vantagens sobre a usucapião judicial. Ela foi criada justamente para transformar a usucapião judicial num “último recurso”.

  1. Rapidez: Processo muito mais rápido, com tempo médio de 120 dias.

  2. Menor complexidade: Procedimento menos burocrático e complexo.

  3. Custos reduzidos: Menor custo em comparação com o processo judicial.

Vantagens da usucapião judicial

São poucas as vantagens da usucapião judicial frente à extrajudicial. Hoje, ela só é melhor que a usucapião extrajudicial em casos bem específicos.

  1. Supre falta de documentação: Diferentemente de um notário ou registrador, um juiz tem competência legal para decidir nos casos em que há poucos documentos a comprovar a posse do imóvel, e supre a falta de certos documentos com a indicação de outras provas a produzir.

  2. Possibilidade de resolver conflitos: A usucapião judicial é a única alternativa para casos onde há disputas em torno do imóvel. Numa usucapião extrajudicial, notários e registradores só têm poder para mediar, não para decidir. Aliás, quando surgem conflitos numa usucapião extrajudicial que não conseguem ser mediados pelos notários ou registradores, a única providência que lhes resta é encaminhar o caso ao Judiciário.

  3. Possibilidade de recorrer à gratuidade de justiça: A usucapião extrajudicial não permite o benefício da gratuidade; os tabelionatos de notas e os cartórios de registros de imóveis são entidades privadas prestando serviço público, e não podem permitir gratuidade sem algum tipo de compensação, ainda não prevista em normas. Se ficar muito bem provado que a pessoa interessada na usucapião não pode bancar as despesas com a usucapião, um dos pedidos da usucapião pode ser a concessão do benefício da justiça gratuita, que permite abrir o processo sem pagar custas judiciais, solicitar gratuitamente certidões, perícias e outros atos, etc., e estender a gratuidade até os atos necessários à averbação da usucapião na matrícula do imóvel.

Fases da usucapião judicial

Assim como na usucapião extrajudicial, a experiência prática recomenda organizar o andamento da usucapião judicial em fases, ligeiramente diferentes da usucapião extrajudicial:

É a experiência prática quem recomenda, para gestão mais fina do procedimento, subdividir cada fase em etapas.

A seguir, serão detalhadas as fases e suas respectivas etapas.

Fase preparatória

A fase preparatória é o “marco zero” da usucapião. Nem sempre é a fase mais demorada na usucapião judicial, mas com certeza é a fase mais complexa de todo o procedimento.

Nesta fase, o advogado desempenha um papel essencial. Cabe a ele orientar e assistir as pessoas interessadas na usucapião enquanto produzem e obtém as provas necessárias para comprovar a posse mansa, pacífica e ininterrupta do imóvel pelo período estabelecido em lei.

A atuação qualificada do advogado nesta fase é fundamental para que as fases seguintes dêem certo. Somente o advogado, graças a seu treinamento na obtenção e análise de provas, conseguirá avaliar se a pessoa interessada na usucapião já tem as condições e provas necessárias para pedi-la, ou se é necessário produzir provas complementares para evidenciar pontos ainda confusos ou sem provas.

É nesta fase que o advogado tecnicamente qualificado justificará a sua reputação e seus honorários. Caberá a ele:

A prática evidencia existirem trẽs etapas principais para esta fase: a análise de caso e das provas existentes, a obtenção e organização das provas, e a redação e protocolo da petição inicial.

Etapa preparatória 1: análise de caso e das provas existentes

Cabe ao advogado, ao acolher as provas e o relato de seu cliente, analisar pormenorizadamente o caso e as provas já existentes, conforme as seguintes normas jurídicas:

Nesta fase, a depender da dificuldade do caso, o advogado poderá inclusive recomendar ao cliente que não espere estar pronto para dar entrada na usucapião imediatamente, pois ainda há muitos pontos a provar.

Só se recomenda fazê-lo, entretanto, se o advogado conseguir apresentar a seu cliente um bom plano para superar as dificuldades, com orçamento e prazos.

As dificuldades encontradas devem ser reais, palpáveis, compreensíveis por qualquer pessoa, e poderão inclusive justificar a majoração dos honorários advocatícios.

Algumas dificuldades que já encontramos:

Em casos assim, e em outros que coloquem dificuldades parecidas, o melhor a fazer é resolver o problema primeiro, e pedir a usucapião depois. Em raríssimas situações é a própria usucapião quem ajudará a resolver o problema, mas só uma análise do caso poderá dizer qual o melhor caminho.

Etapa preparatória 2: obtenção e organização das provas

Superada a etapa anterior, o advogado começa a organizar as provas que já existem, e prepara uma lista com provas daquilo que ainda não ficou bem provado, para buscar obter estes documentos, ou conseguir meios para substituir os que não puderem ser obtidos.

A análise do caso indica quais provas faltam para dar entrada no pedido. Alguns exemplos de provas a obter:

Cabe ao advogado, nesta fase, montar um orçamento que ajude o cliente a se organizar para pagar o que for necessário para a produção das provas:

Ao final desta etapa, os documentos são organizados e preparados para iniciar a ação de usucapião na Justiça.

Nesta etapa, poderão ocorrer obstáculos procedimentais bem prosaicos. No fim das contas, todos são superáveis pelo advogado tecnicamente preparado, mas retardam o protocolo da petição inicial. Eis alguns:

Existe uma prova que ainda gera algum debate: a planta do imóvel com memorial descritivo, cuja necessidade analisamos detalhadamente num artigo dedicado ao assunto .

Nossa posição sobre o assunto é simples: a planta não é obrigatória para abrir o processo, mas é prova importantíssima em certos casos, como imóveis sem matrícula, imóveis que faziam parte de outro imóvel maior, etc.

Etapa preparatória 4: redação da petição inicial

Ao fim da fase preparatória, cabe ao advogado – e só a ele – redigir a petição inicial que será apresentada ao Judiciário para começar o processo de usucapião.

O advogado pode construir a narrativa dos fatos junto com seus clientes, mas quem tem a última palavra na redação da petição inicial é ele.

Fase judicial

A fase judicial não é a mais complexa, mas pode ser a mais difícil numa usucapião judicial.

Problemas da tramitação judicial

Depois de iniciado o processo judicial de usucapião, a tramitação depende dos ritmos do Judiciário.

Como se sabe, o Judiciário brasileiro vive uma verdadeira sobrecarga de processos. Mesmo em comarcas de pequeno porte, existem muito mais processos em tramitação do que as equipes dos fóruns são capazes de lidar.

O resultado, infelizmente, é a lentidão. Por isso, o advogado não pode simplesmente abrir o processo e aguardar a iniciativa do Judiciário: deve procurar fazer o processo andar, por todos os meios legais.

Mas a lentidão não é o único obstáculo. A sobrecarga de processos leva os funcionários dos fóruns, e às vezes também os juízes, a errar.

São tantos processos que é comum juízes, escreventes, oficiais de Justiça e outros funcionários do Judiciário agirem como se estivessem “no automático”, sem dar muita atenção aos detalhes de cada caso.

Mais uma razão para que advogados sejam extremamente diligentes com os processos: devem explicar a relevância dos detalhes, a importância das particularidades de cada caso, para que as decisões sejam as mais adequadas e pertinentes.

Etapa judicial 1: citações, manifestações e intimações

A usucapião extrajudicial começa com o protocolo da petição inicial.

Se a documentação encaminhada junto com a petição inicial atende aos requisitos legais, a usucapião judicial é iniciada com as citações dos confrontantes, com as manifestações dos órgãos públicos e com a intimação do Ministério Público. Vão todos numa “canetada” só.

Confrontante é o proprietário de um imóvel que faz divisa com o imóvel cuja propriedade se reivindica por usucapião. Confinante é o próprio imóvel vizinho.

Se o advogado já iniciou o processo com uma planta com as assinaturas dos confrontantes, com uma declaração de reconhecimento da posse assinada pelos confrontantes com firmas reconhecidas, e provou que os confrontantes têm algum direito de posse ou propriedade sobre os imóveis confinantes (com certidões, contratos de aluguel, boletos de IPTU, etc.), esta etapa pode vir a ser dispensada.

Se, na fase preparatória, não houver sido possível coletar a assinatura com firma reconhecida de todos os confrontantes no memorial descritivo, na planta baixa e na planta de situação do imóvel, o advogado precisa indicá-lo na petição inicial, pedindo expressamente ao juiz que mande citá-los por edital.

Etapa judicial 2: manifestações dos entes federativos

Juízes experientes poupam tempo e, na mesma “canetada”, mandam expedir ofícios para o governo federal (União, especialmente a Secretaria do Patrimônio da União -- SPU ), o governo estadual (Estado) e a prefeitura (Município) para dizer se têm interesse no imóvel.

Com isto, o que se quer é descobrir se o imóvel é público ou particular, porque não se faz usucapião de imóvel público.

Esta etapa é especialmente necessária quando o imóvel a usucapir não tem matrícula, mas é feita também quando é apresentada matrícula e cadeia sucessória.

Este é um dos gargalos mais importantes. Estes órgãos demoram muito para responder. Muito mesmo. Se a usucapião for fora das capitais estaduais, então, o Estado e a União demoram meses para responder.

É certo que a inércia dos órgãos públicos diante da notificação não pode, nem deve impedir o regular andamento do procedimento. Entretanto, diferentemente da usucapião extrajudicial, não existe um prazo legal para esta resposta. Os ofícios vão ficando para trás na fila de tarefas destes órgãos, e o processo pode começar a demorar.

Uma solução é tentar conseguir previamente uma posição destes órgãos, e chegar à fase registral com um posicionamento já firmado. Afinal, nada impede que a pessoa interessada produza prova em seu favor e a apresente logo no início do processo, abrindo-o já com manifestações do Poder Público.

Outra solução, depois de a usucapião estar na fase registral com as notificações já emitidas, é deslocar-se até a sede do órgão na capital do Estado, de preferência agendando reunião previamente com o funcionário responsável, para pedir que dê a resposta o quanto antes.

Qualquer outra solução é válida, desde que os órgãos notificados respondam.

Etapa judicial 3: intimação do Ministério Público

O artigo 178 do Código de Processo Civil obriga a intimar o Ministério Público para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam interesse público ou social, interesse de incapaz e/ou litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

Alguns casos em que a participação do Ministério Público faz todo o sentido:

Em casos onde há menos interesse público envolvido, somente a obrigação imposta pelo artigo 178 do Código de Processo Civil mantém a necessidade de manifestação do Ministério Público.

Diferentemente do que acontece com as manifestações dos entes federativos, não se pode pedir ao Ministério Público que se manifeste sobre a usucapião de um imóvel sem que exista processo de usucapião tramitando. Não se pode, por isso, conseguir parecer prévio sobre o assunto.

Acontece que o Ministério Público sofre dos mesmos problemas de sobrecarga que o Judiciário. Não resta outra alternativa além de o advogado procurar o promotor responsável pela análise do caso, pedindo-lhe certa urgência e discutindo detalhes do caso para assegurar um parecer favorável.

Etapa judicial 4: processo comum de conhecimento

Se nenhum dos entes federativos disse ter interesse no imóvel e o Ministério Público deu parecer favorável, em tese, estaria tudo OK se fosse uma usucapião extrajudicial.

Numa usucapião judicial, entretanto, deve-se seguir as regras do processo civil.

Daqui em diante, em resumo muito apertado, o juiz deve:

Cabe ao advogado manter-se a par de todos os andamentos, e provocar o Judiciário a dar o devido andamento ao processo.

Esta etapa pode durar anos, especialmente quando há conflitos envolvendo o imóvel: os advogados de cada parte mobilizarão todos os recursos possíveis para afirmar a posição de seus clientes, dando a esta fase a sensação de que é interminável.

Etapa judicial 5: sentença declaratória de usucapião transitada em julgado

Ao final do processo, com as provas produzidas, o juiz decidirá se reconhece ou não a aquisição da propriedade do imóvel por usucapião.

Qualquer que seja o resultado do processo, ainda será possível recorrer da sentença.

Só quando a sentença transitar em julgado – ou seja, quando não for mais possível apresentar recursos contra ela – é que se pode dar por encerrada esta fase da usucapião judicial.

Fase registral

Costuma-se apresentar a usucapião como um serviço que vai da abertura do processo até a sentença.

De fato, para quem olha somente para o processo, a usucapião acaba aí.

Entretanto, a usucapião não existe por si só: ela é instrumento para a regularização do imóvel, objetivo final do procedimento.

Com a sentença judicial favorável, o próximo passo é levar a sentença ao cartório de registro de imóveis, pois sem o registro na matrícula não existe transferência de propriedade de imóveis.

Ditas as coisas assim numa frase simples, parece fácil – mas nem sempre é.

Etapa registral 1: apresentação da sentença ao cartório de registro de imóveis

A sentença declaratória de usucapião reconhece a aquisição da propriedade, mas não altera nada na matrícula do imóvel.

Para que a usucapião produza a aquisição da propriedade, é preciso averbar a sentença na matrícula do imóvel.

Para isso, o advogado deve providenciar uma entre duas coisas:

  1. Pedir ao juiz que encaminhe ofício ao cartório de registro de imóveis onde o imóvel está registrado, orientando à averbação da sentença de usucapião na matrícula do imóvel; ou

  2. Levar ele mesmo a sentença ao cartório, com certidão do trânsito em julgado, pedindo sua averbação na matrícula do imóvel.

Aqui aparecem os resultados de uma fase preparatória bem feita.

Se o advogado cuidou bem da fase preparatória, apresentará a sentença ao cartório de registro de imóveis sabendo exatamente o que fazer nesta etapa da fase registral.

Resultado: conseguirá antecipar exigências ou serviços adicionais.

Com uma fase preparatória bem feita, a regularização do imóvel poderá terminar aqui mesmo.

Etapa registral 2: nota devolutiva

Se a fase preparatória foi bem feita, a usucapião judicial terá sido iniciada com todas as partes envolvidas sabendo o que pode ser necessário fazer.

Mesmo assim, poderão existir certas exigências adicionais apresentadas pelo cartório para averbar a sentença na matrícula do imóvel.

Pode acontecer de a fase preparatória ter deixado escapar algum detalhe, ou de haver divergência entre advogado e registrador a respeito da interpretação de certas normas.

Pode acontecer, também, de se perceber tardiamente a necessidade de serviços adicionais. Alguns exemplos:

Se o cartório exigir qualquer coisa para finalizar a usucapião com a averbação da sentença na matrícula, ou com qualquer outro serviço registral, tais exigências devem ser apresentadas numa nota devolutiva, um documento onde o registrador apresenta de forma clara e explícita todas as exigências necessárias para averbar a sentença.

Pode acontecer de a sentença ser averbada sem exigências. Neste caso, não é necessária a nota devolutiva. Entretanto, se houver qualquer exigência, ela só pode ser apresentada por meio de nota devolutiva.

Etapa registral 3: satisfação da nota devolutiva, ou suscitação de dúvida registral

Se o registrador de imóveis emitiu nota devolutiva, só há duas alternativas.

A primeira é a satisfação das exigências. Simples: busca-se atender às exigências da nota devolutiva, apresentando ao cartório o que foi solicitado dentro do prazo. Cabe ao advogado orientar e auxiliar no atendimento às exigências.

A segunda, mais difícil, é a suscitação de dúvida registral.

Não cabe explicar detalhadamente aqui como funciona a suscitação de dúvida registral. Basta dizer, em resumo, que a suscitação de dúvida registral é processo judicial aberto quando o cartório, ao receber um pedido de averbação de um documento na matrícula de um imóvel, faz uma solicitação que o advogado considera ilegal, injustificada, impossível ou muito difícil de atender, excessiva, desmotivada, ou qualquer outro motivo que o leve a não se conformar. Quando isso acontece, o advogado pede ao oficial registrador que leve a dúvida a um juiz; se o oficial registrador se recusar, o advogado apresenta a dúvida a um juiz por contra própria (numa suscitação de dúvida reversa ou inversa). O juiz decide o caso.

A prática profissional junto a cartórios de registro de imóveis indica o seguinte: ninguém quer suscitar dúvida registral.

O advogado não quer, porque é um serviço extra causado, na maioria dos casos, por falhas na fase preparatória ou por falta de diálogo adequado com o cartório de imóveis durante a fase registral. Suscitar dúvida registral, em certas circunstâncias, é um reconhecimento de sua própria incompetência.

O cartório de imóveis não quer, porque retarda o serviço. Cartórios e tabelionatos, no Brasil, são serviços concedidos à iniciativa privada, não órgãos públicos. Vivem de prestar rapidamente o serviço a que se dedicam. Embora tenham, entre outros deveres, a obrigação de zelar pela integridade dos registros e legalidade dos procedimentos, precisam de que os procedimentos terminem rápido, para assim receberem os emolumentos e custearem sua operação. Quanto mais rápido termina um serviço, melhor para o cartório.

O Judiciário não quer, porque é mais um processo para engordar as estatísticas e acumular na fila de julgamentos. A suscitação de dúvida registral é um processo novo, aberto porque não foi possível resolver pelo diálogo alguma questão entre o cartório de imóveis, o advogado responsável pela usucapião e a pessoa interessada no imóvel. Além disso, tirando as comarcas maiores onde existem varas especializadas em registros públicos, a dúvida registral cai nas mãos de um juiz de vara cível, ou mesmo num juiz de vara única, cuja sobrecarga é ainda mais grave. Nestas varas menos especializadas, é menos provável que os juízes conheçam o suficiente as especificidades do Direito Registral, criando assim problemas de difícil solução.

A pessoa interessada não quer, porque adia a usucapião do imóvel. Simples assim.

Entretanto, há situações em que as divergências de interpretação quanto a certos fatos, provas ou legislação são tão grandes, e de tão difícil solução, que a suscitação de dúvida registral é o único caminho, infelizmente.

É raríssimo, quase improvável, que surjam numa usucapião bem preparada exigências capazes de motivar a suscitação de dúvida registral. Todo o procedimento tem requisitos legalmente definidos, simples de atender, com pouquíssima margem para interpretações duvidosas.

Mesmo assim, é importante manter esta etapa sob monitoramento, porque um evento raro não é um evento impossível, e a suscitação de dúvida registral poderá ser necessária.

Etapa registral 4: averbação da usucapião na matrícula

Se não houve nota devolutiva, ou se as exigências da nota devolutiva foram atendidas, ou se a dúvida registral foi resolvida, só resta uma coisa: a averbação da usucapião na matrícula do imóvel, que deve ser feita pelo cartório de imóveis.

Só então, com a usucapião já encerrada e com os procedimentos extrajudiciais no cartório finalizados, a propriedade do imóvel fica definitivamente atribuída à pessoa interessada.

Com isso, termina a regularização do imóvel.

Conclusão

Em conclusão, a usucapião judicial, embora seja um recurso legal válido para a regularização de imóveis, deve ser considerada como última alternativa devido à sua complexidade e longa duração.

Comparada à usucapião extrajudicial, a via judicial é significativamente mais demorada e onerosa, além de exigir uma série de etapas complexas que incluem a obtenção de documentos, provas e a gestão cuidadosa do processo pelo advogado.

Só se recomenda a usucapião judicial como alternativa principal quando há disputas envolvendo o imóvel, quando há prova insuficiente da posse, ou quando existe necessidade de recorrer ao benefício da justiça gratuita.

A fase preparatória, crucial para o sucesso do pedido de usucapião judicial, exige uma análise detalhada do caso, a obtenção de provas e a organização meticulosa dos documentos necessários.

A tramitação judicial, por sua vez, depende dos ritmos do Judiciário e enfrenta desafios como a lentidão e a sobrecarga de processos, o que demanda uma atuação proativa e diligente do advogado.

Portanto, ao recorrer à usucapião judicial, é fundamental que os interessados contem com a orientação e assistência de advogados experientes, capazes de navegar pelas complexidades legais e processuais, garantindo assim a melhor condução do caso e a defesa dos direitos de posse e propriedade do imóvel.