Cunhado é parente? Prima pode casar com primo? Como o Direito brasileiro trata as relações de família e parentesco?

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Essas e outras perguntas são respondidas pelo Código Civil brasileiro, que diz quem é parente e quem não é. Agora, se o que você quer é resposta para estas perguntas, terá de ler o artigo até o final!

Cunhado é parente? Prima pode casar com primo? Como o Direito brasileiro trata as relações de família e parentesco? Descrição: arte digital reproduz uma aquarela onde uma família multirracial brasileira posa para o quadro em frente à porta do prédio onde

A família é a única instituição brasileira com mais treta que o Big Brother, mais traumas que sessão de terapia, mais eventos imprevisíveis que uma novela das oito, mais rivalidades que uma disputa de quem é o favorito da vovó, mais intrigas que um episódio de Game of Thrones, mais brigas que crianças disputando o escorregador no recreio, mais desculpas esfarrapadas que um adolescente que esqueceu de fazer a lição de casa, mais segredos do que um cofre de banco suíço… entretanto, lá estamos nós em cada nova reunião familiar, aos abraços, trocando declarações de afeto enquanto o almoço não sai.

Em meio a essas contradições, a própria relação familiar vira assunto. Quando o cunhado veio pedir dinheiro emprestado mais uma vez, quem nunca disse que “cunhado não é parente”? E quantas vezes aqueles olhares mal-disfarçados entre primos não geraram a clássica pergunta: “prima pode casar com primo?”

O Direito, como sempre, tem respostas para essas e outras perguntas. Neste artigo, apresentaremos como o Direito brasileiro organiza as relações de parentesco, e responderemos às duas perguntas do título. Na próxima reunião de família, aproveite este conteúdo para mostrar seus conhecimentos!

Como o Direito brasileiro organiza as relações de parentesco?

Quem disciplina as relações de parentesco no Brasil são os artigos 1.591 a 1.595 do Código Civil .

Parentesco em linha reta

Primeiro, são estabelecidos os parentes em linha reta:

Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Não há muito o que discutir aqui. Eis algumas linhas retas, mais eloquentes que qualquer explicação:

Descendência não tem a ver com ser mais novo, mas com linhagem biológica.

Sobrinhos, por exemplo, são mais novos que os tios, mas não são seus descendentes.

Já os netos, pela linhagem biológica, são ao mesmo tempo mais novos que seus avós e também seus descendentes.

Parentesco colateral ou transversal

Em seguida, são estabelecidos os parentes em linha colateral ou transversal:

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Como a relação básica de parentesco é a consanguinidade, o parentesco colateral segue as linhas de consanguinidade entre uma pessoa e outra até localizar onde se encontram.

Isto ficará mais fácil de entender quando analisarmos os graus de parentesco.

É importante guardar a seguinte informação: para o Direito brasileiro, só importam as relações de parentesco até o quarto grau.

Parentesco natural ou civil

Estabelecida a linhagem, o Código Civil estabelece a natureza do parentesco:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem.

O parentesco natural (ou seja, biológico) resulta da consanguinidade, ou seja do mesmo sangue, querendo dizer com isso que alguém é parente por sua origem biológica.

O parentesco civil resulta de “outra origem”.

Por que falar em “outra origem”? Não seria melhor listar as formas do parentesco civil?

A expressão “outra origem” é de extrema importância.

Na Lei 3.071/1916 (Código Civil de 1916, hoje revogado) , o artigo 332 dizia que “o parentesco é legitimo, ou ilegítimo, segundo procede, ou não de casamento; natural, ou civil, conforme resultar de consanguinidade, ou adoção”.

Eram os tempos em que a legislação estabelecia direitos e deveres diferentes entre filhos “legítimos” (filhos de pessoas formalmente casadas) e “ilegítimos” (filhos havidos sem que os pais fossem casados); entre filhos naturais (ou seja, biológicos) e adotados; e não abria qualquer brecha a outra forma de parentesco civil além da adoção, processo cheio de formalidades necessárias para assegurar o bem-estar da criança.

Eram os tempos em que a legislação pretendia disciplinar a família para que fosse monogâmica, heteronormativa, com submissão jurídica da mãe e dos filhos aos poderes do pai.

Ora, nem em 1916 este perfil de família era o mais comum. Durante todo o século XX, movimentos sociais (especialmente o feminista), juristas progressistas e parlamentares pressionaram por mudanças na legislação, passando pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/1962) , pela Lei do Divórcio (Lei 6.515/1977) , até chegar na Constituição Federal de 1988, onde a declaração de direitos individuais e coletivos do artigo 5º começa, já no inciso I, afirmando que “ homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações ”, e acabou com a desigualdade entre filhos , fossem eles “legítimos” ou “ilegítimos”, “naturais” ou “adotivos”.

Por isso, os legisladores que redigiram o Código Civil de 2002, atualmente em vigor, acompanharam a evolução das famílias na sociedade brasileira e a evolução do próprio Direito. Encontravam-se diante de formações familiares cada vez mais complexas, envolvendo desde a tradicional família monogâmica de “papai, mamãe e filhinhos” até formas muito complexas de multiparentalidade , uniões poliafetivas , etc.

Em vez de estabelecer listas exaustivas das formas de parentesco civil que terminariam – como no Código Civil de 1916 – estabelecendo condições de legalidade muito difíceis de superar, escolheram um caminho mais simples e aberto: a expressão propositalmente vaga “outra origem”.

As vantagens de ter “outra origem” como descrição do parentesco civil

Exceção: a “adoção à brasileira” e o crime de parto suposto

A única situação excluída da “outra origem” é a famigerada adoção à brasileira, em que alguém recebe o bebê/criança de outras pessoas e registra no cartório de registro de pessoas naturais como se fosse filho biológico, fazendo seu nome aparecer na certidão de nascimento da criança sem respeitar as formalidades legais.

Isso é crime de parto suposto, previsto no artigo 242 do Código Penal:

Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil:

Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza:

Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.

Como descobrir o grau de parentesco

O próprio Código Civil indica como se descobre o grau de parentesco:

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na colateral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descendo até encontrar o outro parente.

Alguns exemplos ajudam a entender o método.

Gerações em linha reta

Primeiro, as gerações em linha reta:

Qualquer um pode fazer esse exercício, aliás muito divertido de fazer com a família reunida.

Graus colaterais

Agora, os graus de parentesco colateral:

Qual o grau de parentesco do “primo de segundo grau”?

Como se viu antes, para o Código Civil o parentesco só importa até o quarto grau colateral, porque, sob algumas condições bem definidas por lei, são chamados para participar na partilha de heranças (Código Civil, artigo 1.839) , ou para lidar com algumas questões de direitos de personalidade de pessoas falecidas (Código Civil, artigo 12) .

Por lei, portanto, não existem “primos de segundo grau”, “primos de terceiro grau” e outros. Do quarto grau em diante, a contagem não importa mais para a legislação.

Nesses casos, sob certas condições previstas em lei, o critério de graus de parentesco do Código Civil é usado para definir se alguém tem direito de participar na herança, ou se pode lidar com certos direitos de personalidade de uma pessoa falecida.

Eis como ficaria o primo de segundo grau, por exemplo:

Quando o parentesco passa do quarto grau, especialmente em casos de herança, o efeito mais importante é a declaração de que a herança é vacante, ou seja, não foi partilhada por testamento, nem tem herdeiros conhecidos, e pode ser arrecadada pelo Município ou pelo Distrito Federal (ou pela União, se houver imóveis em área federal).

Parentesco por afinidade

A “outra origem” do parentesco também aceita outra forma prevista pelo Código Civil:

Art. 1.595. Cada cônjuge ou companheiro é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade.

§1º O parentesco por afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro.

§2º Na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável.

No parentesco por afinidade, a ligação não é a consanguinidade, mas o casamento ou união estável.

Ao casar ou construir união estável, alguns parentes de uma pessoa passam a ser também parentes da outra:

Então quer dizer que cunhado é parente?

Sim! Cunhado é parente em segundo grau por afinidade.

Qualquer argumento de que “cunhado não é parente” deixa de ter razão com uma leitura simples do artigo 1.595 do Código Civil, especialmente do parágrafo primeiro, que fala expressamente em “irmãos do cônjuge ou companheiro”.

E primo, pode casar com primo?

Sim! Primo é parente colateral de quarto grau. Vejam quem o Código Civil proíbe de se casar:

Art. 1.521. Não podem casar:

I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II - os afins em linha reta;

III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V - o adotado com o filho do adotante;

VI - as pessoas casadas;

VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Existe proibição ao casamento entre colaterais “até o terceiro grau inclusive” – mas primos são colaterais de quarto grau.

Pelo Código Civil, portanto, não existem impedimentos ao casamento entre primos.

Conclusão

A forma como o Código Civil trata as relações familiares é simples de entender, e permite certa elasticidade nas configurações familiares.

Mesmo assim, por questões patrimoniais principalmente, o Código Civil não deixou de ser rigoroso ao definir quem é parente e quem não é.

Pelos critérios do Código Civil, cunhado é parente, sim.

Também pelos critérios do Código Civil, primo pode casar com primo, sim.

Estas e outras questões sobre configurações familiares são enfrentadas diariamente por advogados especializados em Direito das Sucessões, ao tratar de heranças, testamentos, inventários e planejamento sucessório.

De um entendimento adequado das regras do Código Civil depende um planejamento bem feito da disposição dos bens depois da morte.

As regras do Código Civil, além disso, dão um bom divertimento familiar: qual o grau de parentesco com aquele parente mais querido? Ou com aquele mais chato? Basta seguir as regras e se divertir um pouco no almoço de domingo.