Como fazer parar ligações indesejadas
18 Aug 2021 · Tempo de leitura: 11 minuto(s)Vem a primeira ligação, oferece um serviço, a proposta comercial é ouvida, há uma recusa (educada ou não, pouco importa), o atendente registra, a ligação se encerra. No mesmo dia, às vezes com poucas horas de intervalo, outra ligação apresenta a mesma proposta que já havia sido recusada; nova recusa é apresentada, outro atendente afirma ter registrado a recusa. Pouco tempo depois, uma terceira ligação apresenta novamente a proposta; ainda outra recusa é apresentada, questiona-se o fato de já ter havido duas recusas registradas, o atendente diz que “foi gente de outra central”, registra novamente a recusa, e desliga. Mas de nada adianta, porque uma quarta ligação, com atendente diferente, apresenta mais uma vez a mesma proposta; questionado sobre o registro das três recusas anteriores, novamente o atendente diz que “foi gente de outra central”, registra pela quarta vez a recusa, e desliga. Ocorre que é recebida ainda uma quinta ligação com a mesma proposta, uma sexta, uma sétima, uma oitava… há quem receba trinta, quarenta, oitenta, cento e poucas ligações com a mesma proposta.
Quem nunca passou por isso? Que fazer para botar um ponto final neste abuso?
Não faz muito tempo, publiquei aqui mesmo no site dois artigos sobre ligações abusivas de cobrança, um para quem tem dívidas em aberto (clique aqui para ler) e outro para quem não tem dívida alguma (clique aqui para ler). Mas existem, infelizmente, muitas formas de spam telefônico e ligações indevidas além das cobranças abusivas, e os dois artigos anteriores não apresentam soluções para todos os casos. Usando o mesmo método, encontrei solução parecida, que pode ser útil também contra este tipo de ligação.
Tenha em mente que você precisa provar a existência das ligações abusivas. Escrevi um artigo que ensina como fazer provas das ligações, então antes de prosseguir, passe lá e dê uma olhada (clique aqui para abrir o artigo em outra aba do navegador). Se já leu, vamos adiante, porque há dois caminhos para acabar com as ligações abusivas: um extrajudicial, e outro judicial.
O caminho extrajudicial
É possível, sim, resolver situações que envolvem ligações abusivas sem precisar recorrer à Justiça, ou mesmo a advogados. O custo, inclusive, pode reduzir-se ao custo do tempo que você dedicar a acessar as ferramentas e instrumentos extrajudiciais para resolver o problema.
Três caminhos se abrem: o cadastro no Não Me Perturbe, uma reclamação no Consumidor.gov.br, e um contato com o encarregado de dados.
Não Me Perturbe
A primeira coisa que você pode fazer é colocar seu(s) número(s) no serviço Não Me Perturbe (https://naomeperturbe.com.br).
De acordo com o próprio site:
O que é Não Me Perturbe?
É um cadastro para solicitar o bloqueio do recebimento de ligações relacionadas a ofertas de serviços de telecomunicações (telefone móvel, telefone fixo, TV por assinatura e Internet) das Prestadoras participantes e de operações de consignado (empréstimo consignado e cartão de crédito consignado) pelas Instituições Financeiras. O cadastro deve ser realizado no website, onde o cidadão deve informar o número de telefone para o qual deseja realizar o bloqueio de ligações, bem como a Prestadora e/ou Instituição Financeira para a qual não deseja receber chamadas. Dessa forma, tanto as Prestadoras quanto os Bancos não poderão realizar ofertas para esse telefone, a partir de 30 dias corridos da data de solicitação.
Em resumo: você acessa o site (https://naomeperturbe.com.br), faz um login e senha, acessa o sistema, cadastra os números de telefone que não devem mais receber ligações indesejadas, e em até 30 (trinta) dias as ligações param. Só isso!
Mas atenção: o cadastro no Não Me Perturbe foi criado pela vontade de empresas que aderiram a esse cadastro. Se a empresa que te abusa não houver aderido ao cadastro, não adianta esperar que ela pare com as ligações.
Passados os 30 (trinta) dias, se você voltar a receber ligações das empresas que aderiram ao sistema, você volta ao site, entra com seu login e senha, e faz uma reclamação informando o número que está te ligando, a que empresa ele está servindo, e a data e horário da ligação. Se quiser, você pode também apresentar uma narrativa curta explicando a situação. A resposta costuma vir em até 15 (quinze) dias, e informa quais providências foram tomadas. Mesmo se nenhuma providência for tomada, este registro é importante para provar que você sabe quais números estão te ligando, e qual empresa está fazendo a propaganda abusiva – o que pode ser útil se for necessário levar a questão à Justiça.
Cada reclamação apresentada no Não Me Perturbe é comunicada a você por e-mail, e cada nova comunicação serve como prova da reclamação realizada. Guarde todas essas mensagens de um jeito fácil de encontrar, porque você poderá precisar delas.
A maioria das ligações costuma parar com este cadastro. Mas pode ser que continuem. É necessário, então, tomar outra medida.
Consumidor.gov.br
Vamos dizer que já tenha sido feito cadastro no Não Me Perturbe, mas as ligações continuem sendo feitas depois dos 30 (trinta) dias. Existe outra possibilidade: fazer uma reclamação no site Consumidor.gov.br (https://consumidor.gov.br/).
De acordo com o próprio site:
O Consumidor.gov.br é um serviço público que permite a interlocução direta entre consumidores e empresas para solução de conflitos de consumo pela internet.
Monitorada pela Secretaria Nacional do Consumidor - Senacon - do Ministério da Justiça, Procons, Defensorias, Ministérios Públicos e também por toda a sociedade, esta ferramenta possibilita a resolução de conflitos de consumo de forma rápida e desburocratizada: atualmente, 80% das reclamações registradas no Consumidor.gov.br são solucionadas pelas empresas, que respondem as demandas dos consumidores em um prazo médio de 7 dias.
Você precisa criar um login e senha usando seu CPF; com isso, você acessa o sistema, e pode apresentar reclamações contra qualquer das empresas que aderiram ao cadastro (clique neste link externo para ver quais são).
Cada uma das reclamações gera um número de protocolo, e a cada novo passo você recebe um e-mail te pedindo para acessar o sistema e fazer algo a respeito. Guarde esse número e esses e-mails, pois podem ser úteis.
São comuns os casos de propaganda telefônica abusiva encerrada somente com uma reclamação neste serviço. Mesmo se as ligações abusivas não pararem, vale a mesma observação: este registro é importante para provar que você sabe quais números estão te ligando, e qual empresa está fazendo a propaganda abusiva.
É muito difícil que as ligações continuem se já se chegou a este ponto. Mas pode ser que continuem. Você tem, ainda, um último recurso.
Encarregados de proteção de dados (EPD)
Vamos dizer que você tenha tentado o Não Me Perturbe e o Consumidor.gov.br, e as ligações continuam. Você ainda tem um último recurso: entrar em contato com os encarregados de proteção de dados das empresas solicitando bloqueio ou oposição ao tratamento de dados, ou exclusão de seus dados do banco de dados. O contato com um encarregado de dados é uma das últimas medidas antes de judicializar a questão.
De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (clique neste link externo se quiser conhecer o texto integral), o encarregado de proteção de dados (EPD) é a “pessoa indicada pelo controlador e operador para atuar como canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD)” (LGPD, art. 5º, VIII).
Qualquer controlador – ou seja, a empresa beneficiada pelas ligações abusivas – está obrigado pela lei a indicar um encarregado de proteção de dados (LGPD, art. 41), cuja identidade e informações de contato “deverão ser divulgadas publicamente, de forma clara e objetiva, preferencialmente no sítio eletrônico do controlador” (LGPD, art. 41, §1º).
E o que faz um encarregado de dados (EPD)?
- aceita reclamações e comunicações dos titulares (LGPD, art. 41, §2º, I);
- presta esclarecimentos aos titulares (LGPD, art. 41, §2º, I);
- adota providências para assegurar o exercício de direitos dos titulares (LGPD, art. 41, §2º, I).
Como contatar o encarregado de proteção de dados (EPD)
Os meios de contato com encarregados de dados estão, geralmente, numa página do site da empresa, chamada “Política de Privacidade”.
Nessa página é possível encontrar, além de uma descrição completa das formas de tratamento de dados pela empresa (incluindo seu telefone), várias formas de contato com o encarregado de proteção de dados (EPD): um e-mail, um telefone, um formulário de contato ou um link para uma ferramenta de atendimento às solicitações de titulares.
Essa página pode ter nomes como “Seus Dados”, “Como usamos seus dados”, “Política de dados”, “Privacidade e segurança”, “Segurança e privacidade”, “Centro de privacidade”, “Portal da privacidade” e outros. O que importa é que essa página exista.
Essa página pode estar “escondida” no rodapé do site, ou pode estar dentro de outra página. Uma das melhores formas de encontrá-la é pesquisar na internet pelo nome da empresa junto com a palavra “privacidade”.
O que pedir ao encarregado de proteção de dados (EPD)
Depois de encontrar os meios de contato com o encarregado de dados, é preciso usar esses meios de contato para explicar o caso com o máximo possível de detalhes, e pedir alguma das seguintes solicitações:
- Bloqueio ao tratamento: se vocẽ é cliente da empresa, e quer somente parar de receber as ligações por algum tempo. Se quiser, diga por quanto tempo você quer parar de receber as ligações.
- Oposição ao tratamento: se você é cliente da empresa, e não quer receber ligações com propostas comerciais.
- Revogação de consentimento: se você é cliente da empresa, concordou em algum momento com o recebimento de propostas, promoções etc., mas mudou de ideia e quer parar de receber novos contatos;
- Confirmação de tratamento e Exclusão de dados do cadastro: se você não é cliente da empresa, recebe muitas ligações dela, e quer fazer parar as ligações, é preciso primeiro confirmar quais dados seus estão em posse da empresa e, depois, excluí-los do cadastro (não esqueça de pedir provas de que esses dados foram realmente excluídos – o encarregado saberá o que fazer).
O caminho judicial
O caminho percorrido até aqui é importante porque, na maioria dos casos, basta o cadastro no Não Me Perturbe, a reclamação no Consumidor.gov.br ou o contato com o encarregado de proteção de dados para fazer as ligações pararem.
Entretanto, se você já passou por qualquer desses caminhos, mas as ligações continuam, o que resta é levar o caso à Justiça.
O caminho é um só: abrir uma queixa em juizado especial do consumidor.
Juizado especial do consumidor
Os juizados são instâncias de fácil acesso, pois não é necessário advogado para registrar uma queixa. Há riscos envolvidos na atuação sem advogado, mas pode ser um caminho viável (Quer entender melhor o assunto para avaliar os riscos? Clique aqui para ler nosso artigo bem completo com os procedimentos necessários.)
Só é preciso ter cuidado com as provas. Não basta, somente, registrar a queixa; é preciso apresentar provas mínimas que justifiquem uma decisão a seu favor. Em processos judiciais que tratam de ligações abusivas, as empresas costumam inclusive ganhar se não há prova da existência das ligações e de seu caráter abusivo. Ganham, inclusive, quando fica provado um grande número de ligações, mas quando não foi possível relacionar essas ligações com alguma oferta da empresa.
A esta altura, entretanto, você já tem um conjunto bem robusto de provas demonstrando a existência de ligações abusivas:
- Todos os procedimentos de produção de prova da existência das ligações abusivas, que detalhei num artigo (clique aqui para abrir em outra aba);
- O cadastro no Não Me Perturbe, e o registro de cada uma das ligações recebidas depois de efetivado o cadastro;
- A reclamação (ou reclamações) no Consumidor.gov.br, os números de protocolo e os resultados de cada uma delas.
Com tudo isso em mãos, vocẽ vai até um juizado e presta uma queixa. Antes de ir, faça um resumo dos fatos, e apresente esse resumo ao registrar sua queixa. O resumo pode, inclusive, ser usado como base para a própria queixa.
O que pedir no juizado?
O que você não pode abrir mão de pedir ao registrar a queixa:
- Que a empresa encerre imediatamente as ligações para você;
- Que a empresa seja obrigada a apresentar, detalhadamente, quais dados seus estão sendo tratados por ela (telefone? CPF? escore de crédito? quem sabe?);
- Se você quiser continuar a manter relações com a empresa, que ela seja obrigada a não fazer mais qualquer ligação com oferta de produtos para você;
- Se você nunca foi cliente da empresa, que ela exclua todos os dados seus que estejam sendo tratados por ela;
- Que a empresa seja obrigada a pagar multa (digamos, de R$ 300,00) por cada nova ligação depois de ser obrigada a encerrar as ligações indesejadas;
- Que, por causa do tempo que vocẽ precisou tirar de seu trabalho, lazer, estudo etc. para resolver a questão e do desgaste psicológico a que você não deu causa, a empresa seja condenada a pagar indenização por danos morais.
Precisa de advogado para resolver a situação?
Se você decidir levar o caso a um juizado especial, e o valor do processo for menor que 20 salários mínimos, você pode atuar sem advogado.
Apesar de ser direito de todo cidadão apresentar causas a juizados especiais quando o valor do processo é menor que 20 salários mínimos, esta é uma operação que, além das vantagens, tem riscos que precisam ser avaliados.
Para entender melhor o assunto e avaliar suas alternativas, vantagens e riscos, clique aqui para ler nosso artigo bem completo com os procedimentos necessários.
Conclusão
É possível, sim, acabar com a praga das ligações telefônicas indesejadas. Para isso, pode-se contar, claro, com a ação do Poder Público, mas é importante que cada cidadão também tome suas providências.
Meios, como visto, existem.
Resta usá-los.