Por que não se pode usar redes sociais para fazer cobranças ou expor nomes de devedores
22 Sep 2023 · Tempo de leitura: 7 minuto(s)Já é rotina em nosso escritório digital: todos os dias, literalmente todos os dias, sem exceção, dia santo ou feriado, aparece alguém com uma demanda parecida com esta aqui:
Doutor, eu deixei de pagar uma vizinha que vende perfume, ela botou meu nome e minha foto no Facebook me chamando de caloteira, isso pode?
Se nosso escritório ganhasse um centavo para cada pessoa que nos procura com demanda parecida, estaríamos ricos, com certeza.
Neste artigo, vamos explicar porque é errado cobrar dívidas dessa forma, e como se pode recuperar o crédito da forma certa.
Quem compra e quem vende online?
Quando recebemos demandas como a que apresentamos, não é a Amazon ou o Mercado Livre quem nos procura. Essas empresas contam com os serviços de escritórios especializados em cobrança e recuperação de créditos, não são eles que usam esses métodos. O perfil de quem nos procura é de pessoas de baixa renda, clientes de pequenos negócios tocados por outras pessoas de baixa renda.
Por que este perfil?
Vizinhança e confiança
Os pequenos comércios online foram muito impulsionados durante o período de isolamento social da pandemia de COVID-19, e hoje é muito comum encontrar quem venda perfumes, lingerie, doces e salgados, enfim, quem venda quase tudo pelo Instagram ou pelo Whatsapp. São pessoas que foram forçadas a empreender por causa de longos períodos de desemprego, ou porque o bico virou a principal fonte de renda da família.
Longe de nós discutir se essas pessoas estão certas ou erradas porque precarizam seu trabalho para garantir a sobrevivência e pagar seus boletos. No que nos interessa, estes micro-micro-micro-empresários (aliás mulheres em sua maioria) encontram seu público principalmente entre vizinhos, parentes e amigos. Seu alcance, sem as inúmeras ferramentas que só o marketing digital das grandes plataformas online proporciona, é restrito às poucas pessoas com quem são compartilhados seus stories, reels, cards, carrosséis, fotos, vídeos e lives.
O perfil de quem compra, por isso, é muito próximo do perfil de quem vende. São também pessoas de baixa renda, em sua maioria mulheres, que preferem comprar de uma vizinha que deslocar-se até o centro da cidade ou a um shopping center para fazer a mesma compra. Na mão da vizinha, os produtos podem até ter qualidade menor ou não ser de marcas famosas, mas suprem a necessidade imediata, e ainda permitem aproveitar a confiança de quem mora perto para conseguir um desconto, ou alguma tolerância com atrasos no pagamento.
Até aí, tudo bem. O problema aparece quando alguém abusa desta confiança e atrasa o pagamento.
Atrasos, abusos de confiança, e os calotes
Às vezes não é por mal que alguém atrasa o pagamento. A conta de luz pode ter chegado um pouco mais cara que o normal. O salário pode ter atrasado. Alguém na família pode ter passado por um problema de saúde. São coisas da vida.
Não é deste tipo de atraso que estamos falando. Em casos assim, especialmente com pessoas que quem vende sabe que nunca atrasaram suas contas antes, o bom senso manda ter paciência. São boas pagadoras, essas pessoas. São honestas. Vão atrasar por um imprevisto, mas vão pagar.
O problema está em outro tipo de devedor: o que abusa da confiança. O que compra na confiança sem nunca ter tido dinheiro para pagar pelo que comprou. O que pede paciência porque está sem dinheiro, mas aparece ostentando nas redes sociais. O que chora por mais prazo para pagar, e pelas costas fala mal de quem vende, ou diz que vai enrolar até não poder mais. O problema, em resumo, está em quem dá calote de propósito.
Esse não tem perdão. Tem de ser cobrado. Mas como? Como cobrar, se quem cobra não tem tantos recursos para a cobrança?
Quem fala em “cobrança” dentro da legalidade, pensa logo em advogados, escritórios de cobrança, pensa numa estrutura cara, difícil de alcançar.
Outro caminho é o das cobranças ilegais, sobre as quais não vamos falar muito porque não recomendamos ilegalidades.
É então que surgem as redes sociais como “ferramentas de cobrança”.
Por que se usa redes sociais para cobranças, mesmo sabendo que está errado?
Parece tudo simples: pega-se o nome de quem deve, ou uma foto, ou o perfil numa rede social; prepara-se uma publicação com esse material e um texto curto, dizendo parecido com “Essa é a Fulana que comprou e não quer me pagar”; nos comentários, seguidores comentam reforçando a cobrança; com o tempo, o constrangimento “força” a pessoa a pagar.
Esta é a forma mais simples, rápida, barata e sem burocracia para arrumar problema. No fim das contas, quem cobra poderá terminar sofrendo cobranças muito maiores que a dívida cobrada.
Por que não se deve usar redes sociais para cobranças?
Ao lidar com inadimplências em seu pequeno negócio online, é crucial manter uma abordagem ética e legal. Utilizar redes sociais para fazer cobranças ou expor nomes de devedores pode acarretar em sérias implicações jurídicas para o seu empreendimento. Vejamos algumas razões para evitar essa prática:
1. Violação da privacidade do consumidor
A exposição pública de informações sobre devedores sem o devido consentimento fere o direito à privacidade do consumidor, protegido pelo Código de Defesa do Consumidor contra cobranças vexatórias (ou seja, que causem humilhação, vergonha, dano à reputação, etc.).
2. Danos à reputação do negócio
Essa prática pode gerar danos irreparáveis à reputação do seu negócio. Clientes em potencial podem ser desencorajados a fazer negócios com uma empresa que utiliza métodos agressivos de cobrança.
3. Risco de Ações Judiciais
A exposição pública de devedores pode resultar em ações judiciais por danos morais, caracterizando uma prática ilegal e passível de penalidades.
Com isso, ao colocar na internet o nome e a foto de alguém que deve R$ 600,00, esta pessoa pode correr a um juizado especial para reivindicar indenização por danos morais, e assi ganhar — e ganhar fácil — uma indenização de R$ 1.500,00 a R$ 5.000,00, a depender do tamanho do dano.
Alternativas legais e éticas
Em vez de recorrer às redes sociais, é recomendável adotar alternativas legais e éticas para lidar com inadimplências:
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Negociação privada: Mantenha o diálogo aberto com o cliente inadimplente e busque soluções de forma privada.
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Procedimentos legais: Em casos extremos, consulte um advogado para orientações sobre os procedimentos legais adequados.
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Contrato bem elaborado: Garanta que seus contratos contenham cláusulas claras sobre pagamentos e penalidades em caso de inadimplência.
Lembre-se sempre de buscar orientação jurídica especializada ao lidar com questões de inadimplência em seu pequeno negócio online. Isso garantirá que suas ações estejam em conformidade com a legislação vigente e preservará a reputação e integridade do seu empreendimento.
Lembre-se também que, a depender da forma como tenha ocorrido a venda, é possível protestar a dívida, levando-a a um cartório de protesto para que seja cobrada de modo legal e extremamente coercitivo.
Conclusão
A prática de utilizar redes sociais para cobrar dívidas de clientes inadimplentes pode parecer uma solução rápida e simples, mas traz consigo implicações legais sérias e éticas questionáveis. O ato de expor devedores publicamente viola a privacidade do consumidor e pode causar danos irreparáveis à reputação do seu negócio.
Embora compreendamos as dificuldades enfrentadas por pequenos empreendedores que lidam com inadimplências, é fundamental adotar abordagens éticas e legais para lidar com essa questão. Negociar de forma privada, buscar orientação legal adequada e contar com contratos bem elaborados são alternativas mais eficazes e que não comprometem a integridade do seu negócio.
A prioridade deve ser manter um diálogo aberto e buscar soluções em conformidade com a legislação vigente, preservando a reputação do seu empreendimento e garantindo uma abordagem ética no tratamento das questões de inadimplência. Ao buscar meios legais e éticos para lidar com a situação, você não só protege seu negócio, mas também constrói relações mais saudáveis e confiáveis com seus clientes, estabelecendo uma base sólida para o crescimento sustentável do seu empreendimento.