Perda de dados em SSD defeituoso: de quem é a responsabilidade?

Conhece gente interessada no assunto? Compartilhe clicando num botão abaixo!

Sucessivos relatos de problemas técnicos com certos modelos de SSD da SanDisk/Western Digital levantam questões legais, sob o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados. Um profissional jurídico pode ajudar a entender as implicações, notificar afetados, buscar indenização e assegurar conformidade com as leis, minimizando riscos e garantindo a proteção dos consumidores.

A partir do início de 2023, número cada vez maior de consumidores relata terem sido afetados por um problema de considerável inconveniência relacionado a dispositivos de armazenamento. Em meio ao cenário tecnológico contemporâneo, no qual falhas de corrupção e perda de dados são tidas como raras, a notícia de que diversos SSD portáteis da SanDisk têm apagado dados pessoais tem gerado preocupações entre os usuários. Este artigo pretende examinar a sequência de eventos que culminou nessa situação, analisando as implicações tanto sob a perspectiva da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) quanto à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC) brasileiro.

Cronologia dos acontecimentos

De acordo com reportagem do Canal Tech , os primeiros indícios sugerem que entre janeiro e fevereiro de 2023 começaram a despontar problemas associados aos SSD SanDisk Extreme Pro de 4 TB. Um usuário identificado como ian__ lançou um alerta no Reddit , revelando que os SSD defeituosos seguiam um padrão peculiar: após tarefas mais intensas, os arquivos eram eliminados ou a unidade passava para o modo de leitura, inviabilizando o acesso aos dados. Inúmeras vítimas compartilharam suas experiências semelhantes na publicação.

Depois de meses de relatos crescentes, as primeiras reportagens sobre o tema começaram a circular.

O site The Verge também publicou reportagem sobre o assunto , destacando que até um dos supervisores da publicação enfrentou a perda de dados em um SSD defeituoso, apesar de ter conseguido recuperá-los posteriormente.

O site Ars Technnnica publicou reportagem com uma resposta oficial da SanDisk/Western Digital , indicando a disponibilidade de uma atualização de firmware para lidar com desconexões inesperadas.

Complementarmente, reportagem de The Register diz que a Western Digital lançou a atualização R332G190 na internet , mas ela exige um número serial válido para um equipamento defeituoso.

A resposta da SanDisk/Western Digital

Nas reportagens consultadas, a SanDisk/Western Digital respondeu brevemente, listando cinco modelos afetados, pertencentes às linhas Extreme, Extreme Pro e My Passport, de 1 TB a 4 TB. No entanto, o comunicado não fazia menção explícita à exclusão de dados.

A empresa também sugeriu o uso de um software de terceiros, cuja aquisição seria custeada pelo consumidor, na tentativa de recuperar os dados.

A ausência de um comunicado esclarecedor por parte da empresa deixou os consumidores em um estado de confusão quanto às medidas a serem adotadas e como a situação seria tratada.

Ação coletiva nos EUA

Com tudo isso acontecendo, a Western Digital foi processada por um residente da Califórnia que alega que o SSD que comprou do fabricante estava defeituoso e que a empresa enviou produtos que não atenderam às promessas de marketing. O processo, protocolado em um tribunal federal em San Jose, Califórnia, afirma que o SSD SanDisk Extreme Pro de 2 TB adquirido em maio por US$ 180 pelo autor, Nathan Krum, falhou devido a um defeito não divulgado, que também afeta modelos SanDisk Extreme Pro, Extreme Portable, Extreme Pro Portable e WD My Passport SSD desde janeiro de 2023.

O caso poderá ser transformado em ação coletiva, que representaria um número não especificado de clientes que supostamente enfrentaram falhas semelhantes nos dispositivos ou perda de dados. O processo alega que os clientes da Western Digital “têm relatado amplamente falhas de unidade e perda de dados” e que a empresa está ciente do problema, mas não está fazendo o suficiente para resolvê-lo. O processo alega que os SSD SanDisk Extreme Pro têm um problema de firmware que os faz desconectar ou ficar ilegíveis para computadores, tornando os documentos armazenados inacessíveis e inúteis.

A iniciativa de abrir um processo judicial contra a Western Digital por parte de um consumidor sinaliza a seriedade das alegações. O processo sugere que o problema está vinculado a um firmware defeituoso, e que a empresa está comercializando produtos defeituosos sem fornecer as explicações adequadas.

Sob uma perspectiva jurídica, esse caso pode servir como um marco para delinear como as empresas devem lidar com circunstâncias análogas no futuro.

E no Brasil, como está a situação?

Além de as respostas não atacarem diretamente o problema, há um adicional para o caso brasileiro: conforme apuração feita pelo site Canaltech , não há evidências de que o problema tenha afetado consumidores brasileiros, mas a falta de divulgação mais ampla do problema pela imprensa pode estar levando usuários a entender que as falhas em seus SSD são problemas individuais de seus SSD, e não um problema mais amplo. Além disso, continua o Canaltech, é possível que as remessas defeituosas não tenham sido enviadas à América do Sul.

Entretanto, ressalta a reportagem do Canaltech, “com a falta de detalhes oficiais, não é possível confirmar essas hipóteses no momento”. Até a data de fechamento deste artigo, nada havia mudado nesta situação.

Repercussões do caso sob o CDC e a LGPD

Pela ótica do Direito brasileiro, é preciso analisar o caso à luz do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Vício do produto

Os problemas apresentados pelos modelos de SSD da SanDisk/Western Digital citados podem ser entendidos como vício do produto, conforme o Código de Defesa do Consumidor (CDC):

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§1°. Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço.

[…]

§ 6° São impróprios ao uso e consumo:

[…]

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

(grifos nossos)

Responsabilidade civil da empresa por danos decorrentes do defeito

Além do prejuízo pela perda do próprio SSD, os defeitos verificados podem dar causa a outros tipos de dano ligados à perda de dados: perda de arquivos importantes, perda de contatos ou documentos de clientes, corrupção em bancos de dados e backups, etc.

Neste caso, se ficar provada uma relação de causa e efeito entre o defeito no SSD e a perda de dados, é possível buscar indenização pelos prejuízos que for possível provar, como se prevê no Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Perda de dados pessoais

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), vigente desde setembro de 2020, estabelece princípios e diretrizes para o tratamento de dados pessoais, com o objetivo de preservar os direitos fundamentais de privacidade e liberdade individuais. A série de eventos em torno dos SSD SanDisk suscita múltiplas implicações, tanto sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC) quanto em relação à LGPD.

A SanDisk/Western Digital não atua como controladora ou operadora de quaisquer dados guardados nos SSD, pois somente fornece o equipamento (hardware) onde controladores e operadores realizam operações de tratamento de dados (especialmente armazenamento).

Entretanto, como se trata de defeito massivo, cabe a controladores e operadores afetados pelo problema tomar algumas providências.

Notificação e transparência

A LGPD estipula que as empresas devem informar aos titulares dos dados acerca do tratamento de suas informações pessoais.

Se dados pessoais de clientes foram afetados pelos defeitos verificados nos modelos de SSD da SanDisk/Western Digital indicados, cabe aos controladores e operadores notificar os titulares de dados sobre a ocorrência, indicando quais providências estão adotando para fazer suas operações retornarem à normalidade.

Preventivamente, se o controlador ou operador não houver sido afetado pela situação e considerar necessário, poderá ser feita alguma comunicação pública (no site ou rede social da organização, por exemplo) afirmando explicitamente que a situação não afetou dados sob sua guarda e responsabilidade. A depender do resultado de uma avaliação sobre segurança e sigilo das informações, esta mesma comunicação poderá explicitar como funcionam as rotinas de cópia de segurança (backup) na organização, mesmo em linhas gerais, para tranquilizar os titulares de dados.

Segurança e Responsabilidade

A LGPD demanda que as empresas adotem medidas de segurança adequadas para resguardar os dados pessoais.

A perda acidental ou eliminação de dados pessoais, tal como relatado nos casos dos SSD defeituosos, levanta questionamentos sobre a conformidade com os padrões de segurança impostos pela LGPD.

Se não for possível provar que os dados sob responsabilidade de controladores e operadores são preservados com rotinas de cópias de segurança (backup) rotineiras, a responsabilidade imediata pela perda dos dados é do controlador ou operador.

Por outro lado, é possível haver situações em que existe tal rotina como parte das operações de tratamento de dados, mas o defeito nos SSD comprometeu-a significativamente. Em tal situação, se o controlador ou operador for acionado pelos titulares de dados, ele poderá, por sua vez, buscar indenização junto à SanDisk/Western Digital por meio de ação regressiva (Código Civil, art. 934).

Direito à reparação

A LGPD concede aos titulares dos dados o direito de buscar reparação por danos decorrentes do tratamento inadequado de suas informações.

Os consumidores que tiveram dados perdidos em função dos SSD defeituosos podem estar habilitados a pleitear compensações por quaisquer perdas sofridas.

Conclusão

As vicissitudes envolvendo os SSD SanDisk ressaltam a importância de manter relação transparente com os consumidores, e de responder rapidamente às demandas causadas por vício do produto. Além disso, destacam a relevância, para controladores e operadores envolvidos em tratamento de dados pessoais, de assegurar a segurança e a integridade dos dados pessoais dos titulares por meio de rotinas de cópia de segurança (backup).

Tanto no que se refere à SanDisk/Western Digital quanto no que se refere a controladores e operadores que fazem operações de tratamento de dados pessoais usando os equipamentos citados, a falta de transparência, a demora na oferta de soluções adequadas e a recomendação de soluções onerosas levantam interrogações sobre sua em relação à proteção dos dados de seus consumidores.

Esse caso pode ser um exemplo relevante de como as empresas devem agir em casos semelhantes, em consonância com as normativas de proteção de dados e as regulamentações do Código de Defesa do Consumidor.

A onda de problemas com SSD SanDisk destaca a necessidade de contratar um advogado especializado em direito do consumidor e proteção de dados para lidar com os problemas indicados. A perda de dados pessoais levanta questões legais sob o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Geral de Proteção de Dados. Um profissional pode ajudar a entender as implicações, notificar afetados, buscar indenização e assegurar conformidade com as leis, minimizando riscos e garantindo a proteção dos consumidores.