Prescrição e decadência: o que são, como funcionam, como usá-las a seu favor

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Efeitos da passagem do tempo sobre o exercício de um direito, a prescrição e a decadência atuam de formas diferentes, têm efeitos diferentes, e servem para finalidades ligeiramente diferentes. Conhecê-las pode ser fundamental para defender seus próprios direitos. Leia o artigo e entenda mais sobre o assunto!

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Antes de continuarmos, antes mesmo de começarmos a tratar do assunto deste artigo, veja as seguintes situações, que usaremos como exemplos. Considere que 26 de maio de 2023 é a data de fechamento da redação deste artigo, e será nossa referência para contagem de tempo. Eis os casos:

O que há de comum entre estas situações? Violações a direitos.

O que mais há de comum entre elas? As pessoas prejudicadas estão, como diz o ditado, com a faca e o queijo na mão para exigirem reparações a seus direitos violados.

Mas ter a faca e o queijo na mão, aproveitando o ditado, não quer dizer que se esteja com fome. Quem tem tudo para levar um caso ao Judiciário, por razões diversas, pode escolher deixar tudo para lá, ou deixar para resolver a situação depois.

O que acontece nestas situações? Os direitos de André, Ronilson, Paula, Violante, Sheila e Cristina duram para sempre? Eles podem ser exigidos a qualquer tempo?

A resposta simples: não. Até estudantes de Direito de primeiro semestre conhecem o ditado: o Direito não socorre aos que dormem.

A resposta técnica: André, Ronilson, Paula, Violante e Sheila podem exigir reparação de seus direitos violados enquanto não ocorrerem a prescrição e a decadência, duas consequências da passagem do tempo sobre os direitos de cada cidadão.

Neste artigo, vamos tratar dos dois assuntos de forma simples e rápida, indicando como não ser prejudicado pela falta de exercício de seus próprios direitos, e como usar a passagem do tempo para defender seus direitos.

O que é prescrição?

Diz o dicionário Caldas Aulete :

(pres.cri.ção)
sf.
1. Ação ou resultado de prescrever
2. Ordem formal e explícita: Não cumpriu as prescrições do governo.
3. Norma, preceito; DITAME; REGRA: as prescrições da moral.
4. Receita dada por médico (prescrição médica)
5. Jur. Perda da efetividade de um direito, ou da punibilidade de uma transgressão ou de um transgressor, por decurso de tempo; CADUCIDADE [ Antôn.: vigência. ]
[Pl.: -ções.]
[F.: Do lat. praescriptio,onis]

O significado 5 é o que se aplica à nossa explicação.

Prescrição, portanto, é a perda da efetividade de um direito, ou da punibilidade de uma transgressão ou de um transgressor, por decurso de tempo.

Trocando em miúdos: é o que acontece quando um direito de alguém perdeu a efetividade.

Trocando em miúdos mais miúdos ainda: é o que acontece quando alguém continua tendo um certo direito, mas não pode recorrer ao Judiciário para exigir seu cumprimento.

Pode parecer estranho a quem não conhece certos pormenores do Direito, mas é comum, muito comum mesmo, que alguém tenha um Direito, mas não possa mais recorrer ao Judiciário para exigi-lo. Veremos alguns casos assim mais à frente.

O que é decadência?

Diz o dicionário Caldas Aulete :

(de.ca.dên.ci:a)
sf.
1. Estado do que decai, se aproxima do fim ou da ruína; DECLÍNIO: decadência da civilização grega. [ Antôn.: progresso ]
2. Degradação, deterioração (decadência dos costumes).
3. Empobrecimento, enfraquecimento: “…um artigo interessante sobre a decadência do protestantismo em Inglaterra.” (Eça de Queirós, Os Maias))
4. Período em que algo decaiu ou se degradou: Os poetas da decadência.
5. Jur. O mesmo que caducidade (5).
[F.: Do lat. medv. decadentia, ae, pelo fr. décadence.]

O significado 5, outra vez, é o que nos interessa. Como remete a um dos cinco significados de caducidade, basta olhar novamente o dicionário Caldas Aulete para ver que, no significado que nos interessa, caducidade é estado do que caducou, do que perdeu a validade.

Decadência, portanto, é o estado do Direito que caducou, que perdeu a validade.

Trocando em miúdos: é o que acontece quando um direito de alguém não apenas perdeu a efetividade, mas deixou de existir.

Quais as semelhanças e diferenças entre prescrição e decadência?

As únicas semelhanças entre prescrição e decadência estão no fato de serem efeitos da passagem do tempo sobre os direitos dos cidadãos, e da inércia destes cidadãos em exercê-los.

As diferenças entre as duas são muitas, na maior parte dos casos interessando mais a operadores e estudantes de Direito. Pessoas interessadas num debate técnico mais pormenorizado poderão recorrer ao clássico artigo de Agnelo Amorim Filho, Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis (Revista dos Tribunais, vol. 300. São Paulo: RT, out. 1961).

Trataremos, a seguir, somente daquilo que entendemos ser de interesse de um público mais amplo.

O que se perde em cada caso

Na prescrição, o que se perde é o direito de recorrer ao Judiciário para obter a satisfação de um direito.

Na decadência, é o próprio direito que se perde.

Falando mais de acordo com o vocabulário técnico do Direito, a prescrição alcança o chamado direito a uma prestação, enquanto a decadência afeta os chamados direitos potestativos, ou seja, os direitos com que alguém pode, de acordo com as normas do Direito (leis, jurisprudência, etc.), submeter a vontade de outra pessoa à sua, sem que ela possa colocar obstáculos capazes de impedir esta ação. A classificação proposta por Agnelo Amorim Filho ainda é de interesse para o assunto:

Esta diferença sutil tem consequências de grande impacto, que serão vistas mais à frente.

Prescrição é mais flexível, decadência é mais rígida

A prescrição é mais flexível que a decadência.

Como a decadência tem como consequência a perda de um direito, ela é muito mais “grave” que a prescrição, cuja consequência é apenas exigir de alguém que cumpra uma obrigação, ou que repare um direito violado.

Resulta disso, entre outras coisas, que:

Suspensão ou interupção na contagem de prazo

A contagem do tempo na prescrição pode ser interrompida nas hipóteses previstas nos artigos 202 a 204 do Código Civil . Nestes casos, deve-se começar novamente a contagem do prazo até a prescrição; ela deve ser reiniciada. A contagem do prazo até a prescrição só pode ser interrompida uma vez.

A contagem do tempo na prescrição também pode ser suspensa nas hipóteses previstas nos artigos 197 a 201 do Código Civil . Nestes casos, deve-se pausar a contagem do prazo até a prescrição; uma vez que o motivo para a suspensão da contagem tenha deixado de existir, a contagem deve começar novamente do ponto onde parou.

Eestas regras, conforme o art. 207 do Código Civil, não se aplicam à decadência . A contagem do prazo até a decadência de um direito, portanto, não pode ser interrompida nem suspensa, e deve ser feita de modo contínuo, em tempo corrido.

Fixação de prazos por lei

Os prazos de prescrição e decadência devem ser fixados por lei. Há casos em que a lei dá alguma margem de manobra para que prazos diferentes sejam fixados, mas os limites mínimo e máximo previstos em lei devem ser sempre respeitados.

Prescrição

Como o Código Civil tem uma lista extensa de prazos prescricionais em seus artigos 205 a 206-A , remetemos para lá o leitor interessado em maiores detalhes.

Naquilo que interessa a um público mais amplo, destacamos os prazos prescricionais mais interessantes a um público leigo:

Decadência

Os prazos de decadência são mais difíceis de sistematizar, porque espalhados pela legislação. Deixamos, entretanto, alguns casos mais comuns descritos no Código Civil:

Retornando aos exemplos

Retornemos, agora, aos exemplos dados no início, considerando 26 de maio de 2023 como a data de fechamento da redação deste artigo.

Se Janaína pretende exigir de Carlos os alimentos devidos a André desde outubro de 2022 até maio de 2023, ainda está em tempo. Se até outubro de 2024 Carlos não pagar os alimentos por vontade própria, se não for convencido amigavelmente a pagá-los, ou se não ajuizar ação de alimentos, André ainda terá direito aos alimentos devidos, mas Janaína não poderá mais mover ação de alimentos referente à parcela de outubro de 2022. Se mais um mês se passar, acontecerá o mesmo com os alimentos de novembro de 2022, e assim por diante. Passado este prazo, Janaína ainda poderá convencer Carlos a pagar os alimentos – mas ele paga se quiser, porque o direito de cobrar em juízo as parcelas vencidas estará prescrito assim que cada parcela completar dois anos de vencida.

Se Ronilson pretende cobrar os dois meses finais de aluguel devidos por Vinícius, vai dar com os burros n’água: seu direito de recorrer ao Judiciário para cobrar os alugueis vencidos prescreveu em agosto de 2022. Ronilson ainda pode tentar convencer Vinícius a pagar os alugueis de forma extrajudicial, mas já não poderá cobrar nada pela via judicial.

Se Paula pretende cobrar o jantar dos estudantes de Direito que deram calote nela, infelizmente não conseguirá recorrer ao Judiciário: seu direito de recorrer ao Judiciário para obrigar os caloteiros a pagar prescreveu em 11 de agosto de 2020. É mais um caso em que a pessoa prejudicada pela prescrição poderá tentar dialogar para recuperar extrajudicialmente o que perdeu, mas fica à mercê da vontade dos devedores.

Se Violante pretende obrigar a seguradora a pagar o seguro para comprar um celular novo, ainda está em tempo: seu direito à cobrança judicial só prescreverá em abril de 2024. Se não processar a seguradora daqui até lá, será quase impossível convencer a seguradora a pagar o seguro por meios extrajudiciais.

Sheila, infelizmente, não tem a mesma sorte. Como é de cinco anos o prazo para responsabilizar empreiteiros pela solidez e segurança da obra, e o apartamento foi recebido em 2014, a construtora só poderia ter sido responsabilizada por vícios na obra até 2019. Com a passagem do prazo, e como o caso é de decadência, nem extrajudicialmente seria possível convencer a construtora a reparar os defeitos.

O caso de Cristina é especial, porque o art. 5º, XLII da Constituição Federal diz que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível . Como tem a sua palavra, a de sua mãe e a dos porteiros e auxiliares de serviços gerais que se dispuseram a testemunhar a seu favor contra Vanusa e sua família, ela pode processá-las penalmente quando quiser, pode inclusive levar o caso ao Ministério Público do Trabalho para ter apoio no resgate de sua mãe, mas, no que diz respeito a indenizações civis, apesar de já haver jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que considera igualmente imprescritível a pretensão de reparação civil por dano a direito fundamental, como no caso do racismo, ainda há tribunais que pretendem impor o prazo prescricional de três anos nestes casos.

Conclusão

Neste artigo, exploramos os conceitos de prescrição e decadência no Direito brasileiro e discutimos sua importância para os cidadãos na defesa de seus direitos. Constatamos que essas duas figuras jurídicas possuem características e prazos distintos, mas ambas têm o poder de extinguir o direito de ação de uma pessoa em determinadas circunstâncias.

A prescrição consiste na perda do direito de exigir judicialmente o cumprimento de uma obrigação, decorrente da inércia do titular desse direito em exercê-lo por um período estabelecido em lei. Por outro lado, a decadência refere-se à perda do próprio direito material, uma vez que o titular não o exerceu no prazo fixado pela legislação. Ambos os institutos visam à segurança jurídica e à estabilidade das relações sociais.

Esses conceitos são de extrema importância para os cidadãos, uma vez que o conhecimento sobre os prazos de prescrição e decadência pode ser fundamental para garantir a defesa de seus direitos. Por exemplo, em casos de cobranças indevidas, o consumidor que conhece o prazo prescricional pode evitar que dívidas antigas sejam cobradas judicialmente após o término desse prazo. Da mesma forma, em disputas relacionadas a contratos, o conhecimento da decadência permite que as partes se protejam contra eventuais perdas de direitos por inércia.

Em suma, compreender os conceitos de prescrição e decadência e estar atento aos prazos estabelecidos pela legislação é essencial para que os cidadãos possam defender seus direitos de maneira efetiva. Conhecendo essas figuras jurídicas, é possível evitar a perda de direitos, garantir a segurança jurídica nas relações sociais e buscar a justiça de forma consciente e informada. Portanto, é imprescindível que as pessoas busquem orientação jurídica qualificada para compreender seus direitos e obrigações, a fim de evitar surpresas desagradáveis no futuro.