Notas sobre a proteção internacional à moradia como direito social fundamental

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Alguns apontamentos mínimos sobre a proteção internacional ao direito à moradia, segundo tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário.

Nenhum fato está fora de seu contexto social. Este pressuposto ontológico, muitas vezes desrespeitado para fundamentar interesses particulares, é um fator de extrema importância para a decisão de lides com fulcro na Dignidade da Pessoa Humana. As grandes Regiões Metropolitanas, como a de Salvador, são espaços de desemprego estrutural, pobreza endêmica e insegurança institucionalizada.

A moradia digna, direito fundamental em si, também dá suporte a outros direitos fundamentais, como vida digna, saúde, segurança, entre outros, mas perde lugar frente à especulação imobiliária sobre grandes terrenos baldios, que esperam a “valorização da área” (instalação de equipamentos públicos e acesso a serviços de urbanização) para serem vendidos posteriormente a preços maiores. A especulação, além da ociosidade e desperdício do potencial do imóvel por parte dos seus proprietários, contribui para o desrespeito a direitos na sociedade. Vale ressaltar que uma das formas de maior incremento de valor aos terrenos se dá com a conversão das áreas de rurais para urbanas.

Neste contexto desfavorável, nasce a reivindicação dos direitos e da melhoria de vida. Exige-se, assim, uma contrapartida estatal para a ratificação dos direitos assegurados a todos os cidadãos e cidadãs. A ausência da atuação estatal, que é obrigatória, força a população diretamente afetada pelo problema habitacional a se agrupar, respaldadas pelas liberdades de reunião e de associação (CF, art. 5.º., XVI e XVII), e tentar solucionar a questão. Os objetivo dos integrantes destes tipos de movimento é exigir o cumprimento de direitos sociais constitucionalmente assegurados: moradia e trabalho (CF, art. 6.º).

Uma reflexão mundial sobre a propriedade improdutiva acumulou-se nas últimas décadas e demonstra o quanto é prejudicial a utilização da propriedade como fim em si mesma, sem cumprimento de qualquer função social. Embora o tradicionalismo da propriedade absoluta persista para aqueles que defendem a utilização especulativa da propriedade em detrimento da sociedade, esta nova compreensão procura harmonizar cada vez mais os princípios e legislações ao preceito fundamental da Dignidade da Pessoa Humana.

Tendo em vista que todos os seres humanos têm direito a uma vida digna, por consecutivo lógico, o direito a moradia é uma das pedras fundamentais para a garantia das condições necessárias para a sociedade. A comunidade internacional, colocando-se a par da situação e buscando soluções para o problema, tem criado instrumentos políticos e jurídicos para orientar e, mais do que isso, efetivar os direitos discutidos pela sociedade.

O primeiro destes documentos é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que dispõe em seu inciso XXV:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, alimentação, vestuário e habitação (…).
(Grifo nosso.)

Entende assim que estes elementos fazem parte de um só direito à vida digna e padrão de vida adequado.

No sistema americano de proteção dos direitos humanos, o Pacto de San José da Costa Rica (1969) garante que ninguém será discriminado, será impedido ou deixará de receber políticas sociais (artigo 1); obriga, ainda aos Estados-Partes, comprometerem-se a conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, por via legislativa ou por outros meios apropriados (artigo 26).

Ora, a Carta da OEA diz, explicitamente, em seu artigo 34, item k:

Art. 34. Os Estados-partes concordam que a igualdade e oportunidades, a eliminação da extrema pobreza, a distribuição eqüitativa da riqueza e renda e a plena participação das pessoas nas decisões referentes ao seu próprio desenvolvimento, são entre outros, objetivos básicos de desenvolvimento integral. Para o seu alcance, eles também concordam em devotar todos os esforços para cumprir com as seguintes metas: (…)
(k) adequada habitação para todos os setores da população.

No ordenamento jurídico nacional, encontramos a aplicabilidade imediata do direito à moradia (CF, art. 5.º, § 1.º), tendo em vista a sua participação no grupo dos direitos econômicos, sociais e culturais que dão suporte ao rol de preceitos da dignidade da pessoa humana do art 5.º.

A necessidade de parâmetros para a discussão sobre a utilização da propriedade, bem como a exigência do cumprimento de sua função social não está respaldada somente em alguns dispositivos legais, mas também numa política internacional e interna de busca de uma solução para uma questão social fundamental da sociedade contemporânea.

Dados todos estes requisitos aos quais se obriga o Estado brasileiro – incluindo o Poder Judiciário, que dele é parte (CF, art. 2.º) – qualquer tentativa de violar o direito social à moradia por via judicial consiste em violação grave de direitos humanos, passível de ser levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica, artigo 44), especialmente se o Poder Judiciário der guarida a tal pretensão.