title: “Meu vizinho tem um cachorro que late o tempo todo, o que posso fazer?” subtitle: “Com certeza você não vai convencer o cachorro a ficar quieto nem vai fazer nenhuma maldade, mas seu vizinho pode, e deve, tomar providências para fazer parar os latidos, que podem ser inclusive indício de maus tratos contra o animal. Leia neste artigo uma explicação mais extensa do que pode ser feito.” description: “Com certeza você não vai convencer o cachorro a ficar quieto nem vai fazer nenhuma maldade, mas seu vizinho pode, e deve, tomar providências para fazer parar os latidos, que podem ser inclusive indício de maus tratos contra o animal. Leia neste artigo uma explicação mais extensa do que pode ser feito.” author: “Manoel Nascimento” date: 2021-06-26T14:13:30-03:00 type: “post” categories: [“Direito Urbanístico”] topics: [“direitos de vizinhança”] tags: [“ruído de animais”, “latidos de cachorro”, “sossego ambiental”, “contravenção penal”, “crime ambiental”, “poluição sonora”, “perturbação do sossego”, “maus tratos contra animais”] keywords: [“ruído de animais”, “latidos de cachorro”, “sossego ambiental”, “contravenção penal”, “crime ambiental”, “poluição sonora”, “perturbação do sossego”, “maus tratos contra animais”] draft: false
Quem nunca passou por algo assim que atire a primeira pedra: você está indo dormir para acordar cedo no outro dia por causa de um compromisso, e o cachorro do vizinho não para de latir. Sem conseguir dormir direito, seu dia seguinte vira um inferno. E à noite, quando você acha que vai conseguir descansar para compensar o sono perdido, lá vem o cachorro latir de novo…
Casos como este podem ter solução sem recorrer ao Judiciário – mas se for necessário é preciso estar pronto. Tentarei explicar a seguir como resolver casos semelhantes.
1. O cachorro não tem culpa
Antes que você lembre de quanta raiva você sentiu, tenha em mente que o cachorro não late de propósito. Nenhum cachorro é “do mal”. Eles latem por muitas razões – mas nunca pelo prazer sádico de te incomodar.
Cachorros que dormem fora de casa podem latir por tédio, por exemplo. Pastores alemães, terriers, pit bulls, dobermanns, rottweilers e outros cães de guarda são “mestres” nisso. A solução nestes casos é mais exercício: eles precisam ser levados para andar, para gastar energia, e enfim descansar.
Cachorros também são muito sensíveis ao ambiente. Calor ou frio os afetam; a não ser que se trate de um husky, mesmo um cachorro mais peludo passará a noite ganindo se o frio for intenso. Ruídos e movimento também podem chamar a atenção de um animal, ou mesmo levá-lo ao estresse: há cães “animadinhos” e nervosos, que latem para tudo que se move. Nestes casos, um treinamento de obediência pode ser a solução.
Não se pode descartar também os maus tratos. Cachorros que ficam confinados em espaços apertados, com pouca ventilação ou luz; cachorros doentes que não recebem o tratamento adequado; cachorros que são espancados, presos com correntes que os machucam; tudo isso são maus tratos, bem definidos no art. 3º do decreto nº 24.645 de10 de junho de 1934. Os maus tratos a animais, por sua vez, são crime ambiental tipificado no art. 32 da Lei 9.604/1996.
Em todos estes casos, o animal não tem “culpa”; ele é tão vítima das circunstâncias quanto você.
2. Já o vizinho…
O animal não tem culpa pelos latidos – mas o vizinho pode ter.
Afinal, quem assume a responsabilidade pela criação de um animal deve saber tratá-lo adequadamente. Entender os problemas do animal, levá-lo a veterinário com a frequência adequada, dar-lhe atenção, garantir-lhe um ambiente saudável, tudo isso contribui para dar qualidade de vida ao animal e evitar que ele reclame.
Mesmo um dono inexperiente pode encontrar hoje muitas formas de aconselhamento, seja por meio das muitas ONGs de proteção e acolhimento a animais, seja por meio da abundante informação disponível na internet. A negligência com animais é hoje injustificável. Não se explica, nem tira a culpa de responsabilidade de ninguém – e é de responsabilidade que falaremos a seguir.
3. …deve ser chamado à responsabilidade
Se os latidos acontecem durante o dia, o dono comete contravenção penal ao não adestrar o animal: “perturbar o trabalho ou o sossego alheio provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda” (artigo 42, inciso IV do Decreto-Lei 3.688/1941 – Lei das Contravencoes Penais).
Se acontecerem durante a noite, além da contravenção penal, pode haver violação a leis de silêncio ou de controle da polução sonora. Pesquise a legislação de sua cidade sobre estes dois temas, e é provável encontrar algo sobre ruídos causados por animais. Veja-se o caso de Salvador: é violação do artigo 12 da Lei Municipal 5.354/1998 (Lei do Silêncio): “Não serão permitidos sons provocados por criação, tratamento, alojamento e comercio de animais que causem incômodo para a vizinhança, salvo quando em zoológicos, parques e circos”.
Latidos constantes podem ser indício de maus tratos, que, como visto, são crime ambiental tipificado no art. 32 da Lei 9.604/1996.Como contravenções penais e crimes ambientais são, por si só, atos ilícitos, o dano que causam pode justificar indenização por danos materiais e morais, a depender dos detalhes do caso.
4. Mas como resolvo isso? Tem como resolver amigavelmente?
Como você vê, a lei está do seu lado. Só é necessário saber usá-la. Agora, vamos ao passo a passo.
Primeiro, pesquise o texto integral da legislação acima – o JusBrasil já te dá tudo de bandeja, aproveite! – e imprima-a. Leia-a, e deixe-a guardada.
Depois, cada vez que o latido começar grave um vídeo no celular com alguma prova da data e horário (por exemplo: televisão, relógio de parede, jornal com data etc.). Faça isso por uma semana.
Nos dias em que gravar, converse com outros vizinhos para saber se também se sentem incomodados. O apoio deles será fundamental. Se não quiser que todos confrontem juntos o dono do cachorro, peça aos outros para o contatarem individualmente.
Caso os latidos continuem por uma semana, junte-se a pelo menos dois outros vizinhos e tente conversar com o dono do cachorro. Às vezes ele também se incomoda, mas não sabe o que fazer. Tente ser cordial, não use nenhuma “ameaça” legal por enquanto. Um exemplo de como iniciar a conversa: “Eu acho que você gostaria de saber que seu cachorro está latindo muito alto de noite e que isso me atrapalha porque meu quarto fica perto de onde ele fica”. Explique como estes latidos prejudicam seu sono e sua concentração, entre outras coisas, e que gostaria de encontrar uma boa solução. Sugira inclusive o uso de apitos ultrassônicos para adestramento.
5. E se o vizinho não quiser resolver o problema?
Se a conversa não for amistosa, como você foi acompanhada haverá duas testemunhas presentes para relatar o que quer que ocorra. Hora de resolver a questão chamando autoridades.
5.1. Notificação extrajudicial
Primeiro: faça uma notificação extrajudicial ao dono do cachorro junto com seus vizinhos. Pode usar o modelo que passarei ao final deste artigo. A notificação extrajudicial funciona como um ultimato, dando ao vizinho um número de dias para resolver a questão. Esta notificação pode ser encaminhada por meio de carta com aviso de recebimento, da qual você guardará uma cópia para usar em medidas futuras.
Se o prazo passar e o vizinho não cuidar para que o cachorro pare de latir, você pode fazer até quatro coisas simultaneamente.
5.2. Centro de Controle de Zoonoses
Primeiro, se sua cidade tiver um centro de controle de zoonoses (CCZ) e você identificar que o cachorro é vítima de maus tratos, uma ligação para o CCZ pode ser suficiente para resolver a situação. Tenha em mente especialmente os casos em que o cachorro fica fora de casa ou sem abrigo adequado em noites muito quentes ou frias, ou quando ele mostra sinais evidentes de desnutrição ou sede. Se os funcionários do CCZ identificarem maus tratos, podem até levar o animal embora. Caso o CCZ dê algum documento ou número de protocolo da reclamação, guarde-o como prova para medidas futuras.
5.3. Denúncia aos órgãos de controle de poluição sonora
Depois, se na sua cidade houver algum órgão de controle da poluição sonora, denuncie seu vizinho. Caso este órgão dê algum documento ou número de protocolo da reclamação, guarde-o como prova para medidas futuras.
5.4. Levando o caso a uma delegacia
Existindo ou não estes órgãos em sua cidade, a medida mais certa é levar a notificação extrajudicial à delegacia mais próxima junto com seus vizinhos. Leve a legislação que você já imprimiu (pode haver escrivãos ou agentes que digam que “isso não é crime”, que “polícia não se mete em briga de vizinho” etc.), leve os vídeos,explique bem o caso, e registre um Boletim de Ocorrência. Pode ser que a polícia não tome nenhuma atitude, mas o BO registrado serve como prova para medidas futuras.
5.5. Ministério Pùblico
Por último, leve o caso ao Ministério Público (MP) por meio de uma representação por escrito. Junte todas as provas produzidas até aqui: o BO, os protocolos no órgão de controle da poluição sonora, cópia dos vídeos, declaração por escrito dos vizinhos incomodados… conte toda a história em papel, dê detalhes da situação, e encaminhe tudo ao MP, que também é responsável pelo controle da poluição sonora e pela proteção aos animais.
5.6. Processo de indenização por danos morais e materiais em juizado cível
Com esta quantidade de providências já tomadas – BO em delegacia, protocolos de reclamações nos órgãos de controle da poluição sonora e CCZ, representação ao MP, vídeos gravados em mídia (pendrive ou DVD), a própria notificação extrajudicial etc. – procure um advogado, explique o caso e peça para que abra um processo pedindo ao juiz que ordene ao vizinho tomar providências para lidar com o latido do cachorro, e pedindo indenização por danos morais e (a depender do caso) danos materiais. Se nada é capaz de fazer o vizinho lidar com os latidos do cachorro, talvez apertar-lhe o bolso seja a única medida eficaz.
6. Concluindo…
Se você já estava pensando em fazer alguma maldade com o cachorro, pode mudar de ideia. O animal não tem culpa nenhuma, e existem vários meios legais para forçar o vizinho a tomar alguma atitude se ele se negar a cuidar do caso de forma amigável. O caminho é trabalhoso, mas você deve pensar: o que é mais importante, minha inércia ou meu sossego?
7. Modelo da notificação extrajudicial
(Nome da pessoa que assina), (número do RG da pessoa que assina), (número do CPF da pessoa que assina), residente e domiciliado na (endereço completo com CEP da pessoa que assina), com apoio no artigo 42, inciso IV do Decreto-Lei 3.688/1941 (Lei de Contravencoes Penais); no no artigo 3º do decreto nº 24.645 de 10 de junho de 1934 e no artigo 32 da Lei 9.604/1996 (Lei dos Crimes Ambientais); notifica os moradores do imóvel situado na (endereço completo com CEP do imóvel onde está o cachorro), em especial o(a) sr(a). (nome, completo se possível, do dono do cachorro), de que os latidos constantes de seu cachorro estão perturbando meu trabalho e meu sossego, e também os da vizinhança. Além disso, os latidos constantes são indício de maus tratos ao animal.
Foram feitas tentativas de diálogo com o morador (nome, completo se possível, do dono do cachorro) no dia (colocar dia e hora dos contatos ou das tentativas de contato com o dono do cachorro). Tal esforço não deu resultado, pois o cachorro continua latindo sem que tenha sido tomada qualquer medida eficaz.
A situação já não é mais tolerável. Ficam os moradores deste imóvel, portanto, e em especial o(a) sr(a) (nome, completo se possível, do dono do cachorro), notificados para tomar providências para fazer cessar os latidos constantes do cachorro no prazo de até 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta notificação.
(Cidade), (data).
(Assinatura)